No seguimento da produção e apresentação, desde 2007, no Museu do Neo-Realismo (Vila Franca de Xira), de vários ciclos de arte contemporânea, a nossa coleção tem recebido obras de artistas relevantes no contexto da arte contemporânea Portuguesa, estabelecendo desde aí diálogos com questões sociais e políticas do nosso tempo. É esse o âmbito que atravessa e une os diversos contributos criativos agora apresentados, numa lógica de reinvenção crítica do real, enquanto resposta ao lema curatorial da Bienal Internacional de Arte de Macau: “Olá, o que fazes aqui?” E o que nos trouxe até aqui foi, na verdade, a conjugação da identidade da nossa cidade com esse caminho de criatividade artística identificado pela expressão da liberdade e do experimentalismo.
Desde o pós-minimalismo dos anos 1960 e 1970, parte significativa da experiência artística acentuou uma necessidade de questionamento crítico sobre o lugar da arte na sociedade contemporânea, aliando desde cedo uma forte conotação política enquanto desejo e necessidade de participação entre artistas, processos de trabalho, as comunidades e o público. Desenvolveu-se então uma cultura de contravisualidade interdisciplinar que passou a questionar os condicionalismos históricos de produção e legitimação artísticas, por oposição à leitura formalista e autorreferencial de um certo modernismo triunfante, que defendia a autonomia e a exploração disciplinar da obra de arte.
A nova lógica de intervenção desse «pós-minimalismo progressista», como lhe chamou Hal Foster, assentava nas possibilidades, mesmo que pontuais e de expressão localista, de compreensão ou parcial transformação da realidade social a partir da ação artística. O «campo expandido» da escultura, a efemeridade e a «desmaterialização» da obra de arte provocaram uma forte, ainda que provisória, desestabilização da instituição arte. Verificou-se desse modo um «regresso “do” e “ao” real» que se traduziu ao mesmo tempo na sua «reinvenção» crítica, buscando assim uma problematização do lugar institucional e do conceito de arte que exigiu do espetador uma maior consciencialização da sua responsabilidade na construção e valorização do campo semântico da arte e, por essa via, da própria vida.
Nessa medida, uma maior aproximação da arte ao sentido social e político resultou num dos universos criativos mais determinantes até aos nossos dias. Uma atitude política (inspirada ainda, por vezes, nas reminiscências do utópico) ou uma reflexão (distópica) sobre os seus limites atravessa, nas suas múltiplas formas e dispositivos (inter) disciplinares, o percurso e a obra dos artistas presentes nesta exposição. Questionando sobretudo os regimes discursivos que operam no nosso mundo saturado de imagens, a arte exige hoje uma espécie de literacia visual que permita compreender e sentir uma ação criativa mais complexa e disseminadora, que sublinha no seu aparato de obra as relações de dependência e contaminação verificadas entre o processo criativo, a imagem e a linguagem verbal, operando assim uma análise crítica em torno da fragmentação e virtualização decetiva do real contemporâneo.