A Estatística da Fortuna “Arte Macau: Bienal Internacional de Arte de Macau 2023” Nota do Curador Principal

 

A chegada de Matteo Ricci, um missionário jesuíta italiano, a Macau em 1582 foi um marco na história das trocas culturais entre a China e o Ocidente. Na China, Ricci colaborou com Li Zhizao e outros para desenhar o Kunyu wanguo quantu (Mapa Geográfico Completo de Dez Mil Países) e dedicou-o ao Imperador Wanli, da Dinastia Ming. Também colaborou com Xu Guangqi para traduzir parte dos Elementos de Geometria, de Euclides, iniciando assim o processo de disseminação do conhecimento científico ocidental moderno na China imperial. E sendo Matteo Ricci um missionário jesuíta, sabe-se que a ciência veio junto com a religião.

A singular posição geográfica de Macau colocou-a na vanguarda dos intercâmbios globais de conhecimentos, crenças religiosas e costumes. O budismo, o taoísmo, a crença em A-Má e o catolicismo europeu têm sido praticados lado a lado em Macau, pelo povo chinês e por várias comunidades estrangeiras com diferentes crenças, moldando assim o carácter distintivo da cidade de coexistência pela diversidade. Nos tempos modernos e contemporâneos, o surgimento da indústria do jogo tem levado as pessoas a investigarem mais sobre o destino, a fortuna, o acaso e a fatalidade. Portanto, a adivinhação, assim como afugentar os espíritos malignos de casa (Zhenzhai) e a geomancia (Kanyu), tornaram-se mais presentes no nosso quotidiano.

Além disso, em Macau a ciência moderna e o pensamento tradicional colidiram fortemente. Muito cheia de lendas de demónios e deuses, a cidade também se desencantou com o surgimento da ciência moderna. O poder da razão instrumental, do comércio e do dinheiro, juntamente com o poderio militar possibilitado pelo armamento moderno, removeu ao longo de séculos a escuridão no mundo espiritual, remodelando a humanidade numa nova espécie que acredita em provas, dados e estatísticas. Na obra China: Uma Macro História, o historiador Huang Renyu (Ray Huang) lamenta o fracasso da governação na sociedade tradicional chinesa, argumentando que a sua principal desvantagem foi não administrar através de números. Em contraste, o mundo moderno era governado por números, medições e estatísticas.

A história da ciência confunde-se com a da espiritualidade humana. A Casa da Sabedoria Abássida, (Bayt al-Ḥikmah), também conhecida como a Grande Biblioteca de Bagdad, promoveu a ciência na Era de Ouro Islâmica; mais ou menos ao mesmo tempo, Yixing, um monge da Dinastia Tang mediu o comprimento da linha do meridiano. Isaac Newton foi o primeiro cientista do mundo e o seu último alquimista. Em 1818, em Veneza, a escritora inglesa Mary Shelley escreveu Frankenstein, considerado o último romance gótico e o primeiro de ficção científica. A história da ciência está repleta do demónio Cartesiano, do demónio de Maxwell e do demónio de Laplace. Entretanto, hoje, o Fengshui e a geomancia (Kanyu) estão a ser transformados em disciplinas ambientais e ecológicas, enquanto a adivinhação se torna previsão utilizando os megadados, providenciando orientações sobre casamento, emprego e escolha da casa ideal. A maior preocupação das pessoas hoje é se a Inteligência Artificial (AI), está a criar novos demónios e se a manipulação de genes pode gerar monstros inesperados.

A ciência natural moderna baseia-se na experiência empírica e nas estatísticas, com estas últimas a contribuirem para consolidar o poder do comércio e do dinheiro. Hoje, a inteligência artificial (IA) e os megadados exploram ao máximo a função das estatísticas. Mas tentar prever o futuro por adivinhação e outros meios também se baseia num conhecimento estatístico subjacente. Portanto, há um fundamento similar que é compartilhado tanto pelas crenças populares como pela racionalidade.

Com o tema A Estatística da Fortuna, a “Arte Macau: Bienal Internacional de Arte de Macau 2023”, pretende explorar a correlação entre ciência e religião. Desde os tempos antigos, a pesquisa “científica” tem estado intimamente ligada às actividades religiosas, e nos anais da ciência ainda há muitos mistérios sem solução. Por outro lado, as actividades religiosas geralmente tendem a parecer empíricas e enfatizam o factor mental como um elemento interactivo nas estatísticas. Dito isto, procuramos seguir aqui obras de arte que explorem as tradições religiosas sob uma nova luz, e aquelas que reflectem sobre a história da tecnologia, a partir de uma perspectiva profunda e humanística.

Qiu Zhijie 
Curador Principal da “Arte Macau: Bienal Internacional de Arte de Macau 2023”

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