Tamanho real

Quando a Lourdes desenha uma sombra desenha-a em tamanho real. Caso tenha de a entregar para uma posterior execução entrega-a assim, tratem-se ou não de azulejos. Raramente acontece o contrário. Ao centro desta atitude o simples gesto de ela não querer tocar na medida original aparece carregado de significado.

Na verdade, tanto a ampliação como a redução do traço que apenas traça o contorno de uma forma pode muito facilmente alterar ou até mesmo destruir-lhe a expressão que, por representar toda a forma tem grande intensidade, mas é extremamente vulnerável por dela, apresentar tão pouco. Este gesto traduz e introduz, parece-me, o essencial do seu fazer, o que uma amiga também como ela alheia a afazeres, chamou: “ocupar-se de sombras”.

Sombra que – devido à sua significação objectiva e natureza projectiva, mostrando-se sempre numa dimensão diferente da do corpo que a provoca – já é uma, talvez a única, representação real.

Pelo simples facto de não tocar na medida original a Lourdes, introduz ou põe em cena no mundo da arte de representar mediante formas e cores, um processo sem empreendimento onde o respeito, que não teme, é resposta – para lá da representação. Deliberadamente essa resposta é curta, as questões são outras – porque são sempre novas – os efeitos quase não existem. O espectáculo não é o da ostentação nem a habilidade é a vedeta. Os vestígios da fabricação desaparecem, e com eles somem-se: o peso do esforço, por muito esforço que haja; o sacrifício do trabalho, por muito trabalho que dê; o esgar da tensão, por muitas dificuldades que surjam e, a emoção da expectativa também desaparece porque o que importa – representar – está presente. Tão perto como a sombra.

Manuel Zimbro (2000)

In Catálogo da exposição “Azul Sombra. Azulejos de Lourdes Castro” realizada na Casa-Museu Frederico de Freitas (Funchal) com produção de Galeria Ratton (de Outubro de 1999 a Janeiro de 2000).

Cortesia da artista e Galeria Ratton